Gostava de mexericar numa velha caixa de chocolates. Pertencia à minha avó. Uma caixa de cartão debotada e desconjuntada como uma cadeira velha. Daquelas que, junto à mesa, testam o nosso descuido ou parecem sinais de STOP. Assim era a caixa da minha avó. Nem se punha no lixo nem se podia lá tocar. Sobre ela, no fundo do guarda-fatos, pairava a tentação da proibição.
Sabedora de tal lei, a desobediência parecia-me irresistível.
Na minha transgressão precavia-me de mil cuidados. Sustinha a respiração, e com muita demora e delicadeza, lá retirava a tampa. Sorrateira e manhosa, olhava por cima do ombro. A última coisa que queria era o reparo da minha avó – já te disse… que fazes? Outra vez…
Chocolates não havia. Nem os papéis nem o cheiro. Apenas um aroma antigo em tons sépia. As minhas mãos eram pequeninas. As fotos, de recantos recortados e ondulados, do tamanho das pratas dos bom-bons, cabiam na perfeição na moldura estrelada dos meus dedos.
Detinha-me observadora sobre cada uma delas. Aqui está a minha avó. E esta? E este? Quem são? Onde estão?
As dúvidas e a curiosidade são assim como feijões. Se as marinarmos no caldo da impaciência incham e engordam. Matutei mil e uma respostas. Nenhuma me apaziguou e, como a curiosidade tem as suas artes, e a teimosia consegue ser mais forte do que o medo atrevi-me finalmente:
– Avó diz-me…Conta-me…
– Tão calada, logo vi… tu e as tuas judiarias… – mas a reprimenda caramelizava tão depressa como o açúcar a ferver no tacho.
Remexia com pressa no mar do passado e, do fundo das ondas, retirava um búzio, frio, pétreo e sardento. Colava-o ao meu ouvido.
– Tudo o que é importante saber ele to dirá!
Perante a minha incredulidade do silêncio escutado, ela ria. Ria muito. Como quem mergulha num passado só dela e, paciente, limitava-se a devolver a caixa ao aconchego tranquilo do esquecimento.