
Eis-nos prestes a virar a folha. Foi um pulo e cá estamos. Mês 11. Vamos outonando. Engordámos a velha despensa e afogámos a adega já vazia.
A primavera e o verão foram generosos. Boiões de suculentos doces de sol. Enchidos bem fumados pelos suspiros desolados de planos falhados, ilusões desmascaradas e de sonhos adiados. Mas nada se perde. Todos os restos e sobejos de emoção serão entradas e petiscos suculentos para o inverno que se avizinha.
Na adega, alinhámos cada uma das garrafas das colheitas de 2022.
Assim, que venha o frio e o vento! A chuva e a neve! Trovões e relâmpagos sejam bem vindos!
Entretanto, acendamos a lareira ardente da companhia que melhor nos convier.
Será a salamandra de fogo de ecrã? Serão as séries entorpecedoras da TV? Serão as piadolas e vaidades das redes sociais?
Será a tua presença no FaceTime ou os nossos pés entrelaçados na disputa da manta roída e com cheiro a cão?
Gostaria. Pediria até que fosses tu de osso e carnes.
Talvez…
Quem sabe, se os dias mínimos se encadeassem de luz ? E, quem sabe?
Talvez fosse à adega e com solenidades de drama e grande dama abrisse uma das garrafas da minha colheita preferida. E sem pressas nem compulsões sentar-me-ia a teu lado. Encolhida e enregelada pela geada de dezembro.
Saberei aceitar. Saberei aguardar o sol. E talvez posamos uma vez mais, encher as taças de cristal com as nossas melhores lágrimas, brindando e remendando tudo o que perdemos, o que guardámos, o que estragámos e… Acima, e em tudo – aquilo que ainda possamos lançar ao futuro em sementeira na primavera aguardada.