
Sempre gostei de gaivotas. Li Fernão Capelo Gaivota em criança. Apaixonei-me desde cedo pela sua loucura. Uma gaivota que vive pelo e para o prazer de voar. Entrei na adultez na ânsia de me igualar a ele.
Viver numa cidade sem mar é triste.
Ao cair da noite, na fronteira entre a lucidez e o sonho, o ruído da via rápida, frente ao meu quarto, é o bater das ondas e a maré alta. Falta-me o apito do farol de Esposende, mas os sonhos embarcam-me numa fragata e, rapidamente, passeio na areia da praia com os cabelos revoltos pela nortada de Agosto.
As algas e o iodo picam-me as narinas e os pinheiros de Ofir balançavam as pinhas sobre a minha cabeça. O aroma a resina e as agulhas da caruma por baixo dos meus pés foram o resourt da minha infância. Os domingos de verão eram o sonho das minhas semanas. O dia de ir à praia. A minha mãe passava o sábado a fazer farnéis de realeza.
O resultado era sempre um repasto de abade em Ofir mas eu resistia aos bolos, pãezinhos de leite e aos pudins. Eu queria ir ao mar. Esperar três horas para fazer a digestão dissuadia-me de qualquer acesso de gula.
Eu queria o mar. A água gelada era sempre uma delícia, a bandeira parecia-me sempre verde e os lábios roxos ou os dentes a bater de frio só existiam na preocupação dos adultos. Era do melhor!
Muitos anos passados, durante uma consulta, ouvi gaivotas no jardim de Santa Bárbara.
Estaria a perder o juízo? Braga é uma cidade triste. Aqui, o mar só existe na minha via rápida. Assustei-me.
Hoje sei. Ainda estou lúcida. Garanto-vos! Ontem ao chegar ao consultório deparei-me com uma cria caída do ninho. Como garota que sou, movi o que pude para a salvar e parece que a policia a veio resgatar. Nunca mais vi a cria.
Terminei o meu trabalho. Como sempre, vou atravessar o jardim de Santa Bárbara e garanto-vos que a mãe gaivota estará na fonte. Espera por mim. Vou apressar-me, faz-se tarde. As gaivotas sabem o valor do tempo. Tempo é aprender. Aprender a voar!